É ridículo quem ridiculariza o ridículo. Ridículo é todo o homem que não quer parecer ridículo. Porque a humanidade é ridícula em toda a sua existência e lutar contra natureza tão enraizada é ridiculamente ridículo. Aquele que não atenta na sua condição ridícula é naturalmente natural e ridículo, o que lhe retira meio peso de ridícula presunção por não pensar que por pensar que não é, deixa de ser ridículo. Ser é ser ridículo.
23 de novembro de 2007
22 de novembro de 2007
anotação VIII
21 de novembro de 2007
Outono e a Depressão Sazonal
As chaminés derramam fumo,
Entregando-o cuidadosamente ao vento,
Esse caprichoso e pertinaz atrevido.
E ele esvoaça, poucos metros apenas,
Até desaparecer para um lugar que com olhos não é sentido.
É curioso como ele desaparece,
Nunca no mesmo sítio,
Nunca da mesma forma.
Parece que o Outono é uma chaminé
Uma chaminé diferente.
Quando o vento vem, ele liberta,
Copiosamente, o seu fumo sentimental,
E ele envolve-vos, invisivelmente,
Pois só os que enxergam a chaminé
Podem ver, momentaneamente, aquela massa espectral.
18 de novembro de 2007
Júpiter e as Luas
O Sol e o seu respectivo sistema de planetas têm, diz a Ciência, 4,8 milhões de anos. Para este texto gostava de convidar o leitor a considerar tudo isto falso e a deixar-se convencer pelo que vou dizendo.
No início dos tempos, Júpiter, um gigante planeta constituído por hélio e hidrogénio filho de Saturno e Cíbele, decide criar algo para povoar o espaço sideral que na altura vivia uma desolada solidão. Desta feita, cria 63 satélites que coloca a orbitar perenemente à sua volta com movimentos pseudo circulares.
Estas luas ganham então vida pelo movimento e como qualquer ser dotado dessa centelha, iniciam um sistema de competição no qual vence quem orbitar mais rapidamente o grande Júpiter. Óbvio que aquelas que se encontravam mais próximas do Grande Deus tinham vantagem sobre as que se encontravam mais distantes. Por isso, as mais distantes diziam-se azarentas, diziam que as luas mais próximas haviam sido beneficiadas por Júpiter. Outras, ainda das que se encontravam longe do grande planeta, diziam que a sua posição desfavorável para a competição era um castigo e consideravam Júpiter um déspota, todavia, adoravam-no e faziam tudo para o agradar na esperança que um dia Ele as pudesse mover para uma posição mais favorável.
Enquanto todo este tumulto de lamentos e súplicas se vivia na periferia do Grande Planeta, as luas mais próximas aclamavam e bradavam os céus, dizendo-se abençoadas e preferidas, uma vez que eram as mais rápidas, as mais brilhantes e as que sentiam mais intensamente o poder gravítico daquela Monstruosa Massa de Gás.
Naquela altura as luas viviam assim, ora dizendo-se azaradas e mal-amadas por Deus, ora achando que tudo o que tinham vinha de Deus. Devo então dizer que estavam todas totalmente erradas. Júpiter criou o sistema de luas suficientemente independente para ter que intervir e ajustar alguma coisa. A sua existência, enquanto deus, limita-se a uma plácida observação da Criação. Enquanto observa, espera que alguma lua sucumba à sua força gravítica e se junte a ele.
Ridículos são aqueles que acreditam que "lamber as botas" a Júpiter os vai salvar depois de terem feito tanta batota na corrida da vida. Júpiter não quer saber, aliás, se quisesse, deixaria de ser Júpiter e passava a ser Terra!
15 de novembro de 2007
anotação VII
É curioso o modo como as pessoas lêem as críticas que lhes fazem: nunca são elas, são sempre os outros; e pior: não se limitam a ler a crítica e a pensar que são os outros os malandros, lêem-na, excluem-se dela e num último esforço de ousadia e descaramento criticam ainda mais os outros.
13 de novembro de 2007
Atitudes
Quem sou eu para falar disto? Ninguém! Percebo tão pouco disto como um padeiro percebe de canalizações, mas hoje estava a escrever e achei que seria interessante coloca-lo aqui.
"Para sociabilizarmos temos que nos mostrar prontos a apoiar os outros, temos que parecer o ombro amigo, temos até que escutar, aturar os outros; nesses momentos podemos não sentir nada a não ser uma grande maçada, mas o produto final, ou seja, a acção, vai ter uma importância crucial no modo como evoluímos socialmente.
Não critico quem tem estas atitudes, critico quem as tem por fora e não as tem por dentro. A atitude é a conjunção do pensado e sentido com o efectuado. Hoje libertaram-se um conjunto de atitudes que foram pré-programadas nas pessoas: estas não são realmente atitudes, são partículas soltas da atitude que se auto denunciam como tal: não passam da realização de um acto – não têm sentimento ou pensamento (podem ter pensamento, mas um pensamento egoísta de conquista sentimental no objecto em questão) que as anteceda, não há construção cognitiva que leve à execução na totalidade, há apenas a reacção reflexa de que se tem de dar apoio, que se tem de ouvir ou que se tem de aconselhar, nunca se sabendo ao certo o que se faz, sabe-se apenas que se faz alguma coisa e que essa coisa ajuda-los-á a garantirem gente à sua volta."
12 de novembro de 2007
Poesia II
Adeus de Eugénio de Andrade
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
11 de novembro de 2007
Velhos perdidos,
Vertidos de preto,
Esquecidos no bafio dos locais de culto.
São todos ignorados
Aos grupos nas bermas da estrada.
Na estrada o desfile continua:
Quem tem o melhor carro,
Quem tem o melhor namorado
Ou a mais bela companheira.
O mundo é isto, infelizmente tão pouco!
É fedorenta tanta perversidade,
Tanta falta de bondade e consciência.
A vida é mais do que eles a fazem,
A vida é mais olhar do que mostrar:
Contudo, hoje só se mostra, não se olha
E os velhos continuam perdidos,
Impregnados do bafio das sacristias,
À sombra na berma da estrada
A olhar, miseráveis, os que passam
E usam a vida só para mostrar
Nunca parando para os olhar.
Ser velho e ser criança são dois estados de grande impotência: no entanto ser criança tem vantagens sobre a velhice. É giro segurar no colo coisas fofas: faz parte da toillet...
10 de novembro de 2007
Tu e eu, Natureza
Os lençóis envolvem-nos,
Cobrem-nos,
Dão abrigo à nossa relação
Lençóis de uma brancura transparente
E mesmo assim totalmente opacos
Enroscas-te em mim,
Mordes-me de manso,
Cicias-me no ouvido a brisa do Verão
Percorres-me o corpo com o calor do Sol,
Libertas o perfume da Primavera
Dos teus cabelos hipnotizantes
Eu vejo-me excitado,
Enlevado,
Fora de mim
Sinto a alma em erecção,
Mais uma vez me tocas,
E em palavras é a minha ejaculação!
8 de novembro de 2007
anotação VI
Todos somos maus, melhor, todos somos um monte de esterco: cada um de nós é a mais hedionda peça de porcaria que a superfície da Terra já teve o desprazer de ver. No entanto há quem se aproveite, há trigo no meio do joio. Há quem tenha vergonha da sua sórdida condição, há quem a conheça e odeie: essas são o trigo, são aquelas que travam duras batalhas contra si mesmas, contra a sua tendência para o egoísmo e para a inveja. Essas merecem respeito: tentar ser bom num mundo mau é de uma lucidez transcendental.
4 de novembro de 2007
Trechos
10 Outubro 2007
"As pessoas não pensam, têm pudor de pensar. Mas o pior é o facto de quererem que os outros também sejam pudicos para com o pensamento e o facto de escarnecerem daqueles que pensam, fazendo-os crer que viver acriticamente é a melhor maneira de viver. Malditos sejam!"
11 Outubro 2007
"As pessoas continuam indiferentes à sua degradação. Ninguém quer saber do mundo nem dos outros, nem mesmo de si. A única coisa que lhes interessa é o que têm e o que podem mostrar que têm. O resto é perda de tempo!
Loucos! Espero que acabem todos mal!"
Depois disto provavelmente estás a pensar que sou um presunçoso: "Ah, tá aí armado em bom, como quem vem aqui fazer favores." Mas não. Não deixei os textos para fazer favores nem para me armar. Deixei os textos porque hoje, além de não me apetecer escrever sobre os outros, estou-lhes com raiva e nojo, por isso procurei textos em que essa raiva estivesse pintada. E é precisamente por atitudes como essas, por juízos irreflectidos e apressados que eu fico chateado. Pensem o que quiserem, mas não atirem publicamente injúrias sem antes as terem devidamente fundamentado. Mania!
1 de novembro de 2007
Fiéis? E que fiéis!
Chamem-me exagerado. Eu aceito humildemente porque provavelmente é que eu sou, mas tenho razões para agir assim.
Perfume e pétalas para todos, quer sejam flores quer sejam pessoas, o que interessa é que seja tudo caro e que patenteie o máximo de fidelidade e de devoção. É assim que gosto de ver as pessoas, apinhadas, nos cemitérios! Um dia em que só se ouviam ciciar orações fervorosas, em que toda a gente vestia de saudade e pesar transforma-se, quase que por magia (e que magia!) em mais um evento social onde se criam novos boatos e onde a ordem de trabalho é falar de tudo menos dos que, de olhos fechados e a federem, repousam no silêncio telúrico.
Gosto de pensar que, em vernáculo, todos eles não passam de exibicionistas!