22 de agosto de 2007

Defeitos

Um dos meus inúmeros problemas reside no facto de eu ser instantâneo. As coisas aparecem com a mesma rapidez com que desaparecem na minha cabeça. Há coisas às quais não dou a menor importância e há outras coisas que acho que têm potencial. Quando encontro estas últimas, na maior parte das vezes e quando dignas de partilha, exponho-as aqui. O mais recente excesso de velocidade na minha cabeça foi uma clarificação do conceito que hoje em dia o senso comum tem de “defeito humano”.

Por definição, um defeito é algo que, comparado com um modelo (o mais próximo da perfeição quanto possível), apresenta diferenças. Talvez seja uma definição um tanto ao quanto redutora e simplista, mas cabe ao leitor pensar nisso (e a mim também numa fase posterior). Ora, tento em conta que socialmente costumamos distinguir as características das pessoas entre virtudes e defeitos, surgiu-me algo que achei curioso. Vejamos, é comum considerarmos geralmente o egoísmo, a falta de escrúpulos e a indiferença perante a possibilidade de matar alguém (p.e.) como defeitos. Mas, posso garantir que estes presumíveis defeitos podem dar origem, independentemente da intenção que os precede, a boas acções, a acções que promovam o bem-estar de terceiros. Imaginemos três indivíduos, cada um deles com cada um dos defeitos que referi anteriormente; consideremos também que cada um deles tinha esse defeito isoladamente, por outras palavras, cada um deles teria apenas um dos que referi, por exemplo, um indivíduo egoísta não poderia deixar de ter escrúpulos. Postas estas condições, consideremos as seguintes possibilidades:

1 - o egoísta encontra-se sentado num banco de jardim, calmamente, a desfrutar de uma sandes. Entretanto, aproxima-se dele um jovem que lhe pede encarecidamente algo que comer. Como tem noção da necessidade por que passa o jovem ele dá-lhe a sua sandes. Este acto foi movido pelo seu egoísmo: como não queria chegar a casa e sentir-se mal por não ter ajudado quem precisava, ele preferiu dar a sandes, e suportar a partilha, do que não dar e suportar o sentido de culpa. Porque o egoísta não tem necessariamente de ser desprovido de sentimentos, pode ser alguém que gosta de ter um lugar só seu, um conjunto de bens os quais quer só para si. (para clarificar esta ideia seria precisa uma longa dissertação acerca do egoísmo, coisa que não vou fazer, não só por não conseguir, mas também porque mesmo que tentasse tornar-se-ia longa e enfadonha).

2 - o homem sem escrúpulos é polícia. A sua divisão encontra-se ocupada com um perigoso grupo ligado à máfia. Ele, como não tem escrúpulos, oferece-se para tentar uma infiltração com o objectivo recolher informações que ajudem a desmantelar toda a rede de malfeitores. A sua falta de escrúpulos, embora muitas vezes usada em situações menos lícitas, é nesta caso preponderante para que tenha sucesso na sua missão e consiga salvar muitas vidas que estejam à mercê da mão impiedosa da máfia.


3 - o homem que não tem problemas em matar vive num mundo com dois países. Um país onde há liberdade e um país onde não há. O primeiro quer libertar o segundo da opressão e para isso precisa de um homem capaz de suprimir o ditador que mantém refém o segundo país. O nosso homem é destacado e deste modo salva milhares de pessoas de uma vida pautada pelo eminente medo de serem mortas pelo déspota não tolerante.


Embora rebuscados e cobertos de suposições mirabolantes, estes exemplos procuram demonstrar que os defeitos podem dar origem a boas atitudes, ou melhor, a acções que promovam o bem-estar de terceiros. É claro que não se tratam apenas de defeitos no conjunto das características humanas que permitiram tal acção, mas a questão é que houve uma boa acção, houve algo que beneficiou outras pessoas.
É incontestável que todos temos virtudes e defeitos, mas muitas vezes os nossos defeitos, quando acoplados com alguma virtude ou algum interesse que tenhamos, geram boas acções. A minha intenção não é discutir até que ponto é mais importante o resultado do que a intenção, isso é uma discussão que me perturba porque eu mesmo a tenho comigo, a minha intenção é mostrar que, tendo em conta o que é um defeito, está errado dizermos que o ser humano tem defeitos (pelo menos os de carácter) porque estes podem dar origem a boas acções, acções que, quando comparadas com o modelo de perfeição que temos, são totalmente idênticas. Acho portanto que talvez fosse melhor, não só como atenuante para aqueles com um carácter auto destrutivo, passarmos a dividir as características humanas entre coisas melhores e coisas menos boas, porque, e isto sem exemplos porque seriam bem mais esquisitos e ininteligíveis, mesmo as chamadas virtudes, dão origem a más acções.


E é nesta onda de pacifismo e tolerância pela merda que o Homem é que termino. Talvez isto não seja mais do que uma tentativa desesperada de ver a Humanidade e eu mesmo com outros olhos, olhos mais optimistas e menos acusatórios, mas não interessa. Foi, como disse, um excesso de velocidade na minha mente e como achei que tinha potencial, escrevi.